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08/10/12

POESIA

Água Sexual

Rodando calhas solitárias,
há gotas como dentes,
há espessas goteiras de marmelada e sangue,
rodando a calha,
cai a água,
como uma espada em gotas,
como um desgarrado rio de vidro,
cai mordendo,
golpeando o eixo da simetria, pegando nas costuras da
alma,
rompendo coisas abandonadas, empapando o obscuro.

Somente é um sopro, mais húmido que o choro,
um líquido, um suor, um óleo sem nome,
um movimento agudo,
fazendo-se, espessando-se,
cai a água,
a gotejadas lentas,
em direcção ao seu mar, ao seu seco oceano,
à sua onda sem água.

Vejo o verão extenso, e um estertor saindo de um celeiro,
bares, cigarras,
populações, estímulos,
habitações, crianças dormem com as mãos no coração,
sonham com bandidos, com incêndios,
vejo barcos,
vejo árvores de medula
enraizados como gatos raivosos,
vejo sangue, punhais e meias de mulheres,
e pelos de homem,
vejo camas, vejo corredores onde grita uma virgem,
vejo lençóis e órgãos e hotéis.

Vejo os sonhos sigilosos,
admito os dias postergados,
e também as origens, e também as recordações,
como uma pálpebra atrosmente levantada a força
estou olhando.

E então há esse som:
um ruído vermelho de ossos,
um grudar-se de carne,
e pernas amarelas como espigas juntando-se.
Eu escuto entre o disparo dos beijos,
escuto, sacudindo entre respirações e soluções.

Estou vendo, ouvindo,
com a metade da alma no mar e a metade da alma
na terra,
e com as duas metades da alma olho o mundo.

E ainda que feche os olhos e me cubra o coração inteiramente,
vejo cair uma água surda,
a grossas gotas surdas.
É como um furação de gelatina,
como uma catarata de esperma e medusas.
Vejo correr um arco íris turvo.
Vejo passar suas águas através dos ossos.

Pablo Neruda

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