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29/09/10

A GENTE SE ACOSTUMA MAS NÃO DEVIAMOS



A gente se acostuma a morar em apartamento e não ver a vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz, á medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da beleza ao seu redor.



A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café a correr porque está atrasado. A ler o jornal no transporte porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite, dormir no autocarro porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.


A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra, a miséria, a politica, A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar as suas contas. Se acostuma a estar em filas e esperar e esperar. A não reclamar do que está verdadeiramente mal. E a ganhar menos do que precisa. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro.


A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial. Ao choque que os olhos levam à luz natural. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.


Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.




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