Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais, em que íamos os dois,
Sozinhos, passear, para fora do povo, alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse ouvir-nos conversar?
Tu levavas na mão um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava na vida, em Deus, em ti...
E, além, o sol doirado morria, conhecendo
A noite que deixava. Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno e doce diluía,
Na sombra, o teu perfil e os montes doloridos...
Erravam, pelo Azul, canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe, o vento vagabundo
Trazia, na memória...
Assim o que partiu em frágil caravela,
E andou por todo o mundo, traz, no seu coração,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim, ás vezes, distraída,
Como quem olha o mar, à tarde, dos rochedos...
E eu ficava a sonhar, qual névoa adormecida,
Quando o vento também dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim...
Meu corpo rude e bruto vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro. olhavas, descuidada
E triste... Ainda hoje escuto a música ideal
Do teu olhar primeiro! Ouço bem tua voz,
Vejo melhor teu rosto no silêncio sem fim,
Na escuridão completa! Ouço-te em minha dor.
Ouço-te em meu desgosto e na minha esperança
Eterna de poeta!
O sol morria, ao longe; E a sombra da tristeza
Velava, com amor, nossas doridas frontes.
Hora em que a flor medita e a pedra chora e reza,
E desmaiam de mágoa as cristalinas fontes.
Hora santa e perfeita, em que íamos, sozinhos,
Felizes, através da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar, ao longo dos caminhos...
Tudo, em volta de nós, tinha um aspecto de alma.
Tudo era sentimento, Amor e piedade.
A folha que tombava era alma que subia...
E, sob os nossos pés, a terra era saudade,
A pedra comoção e o pó melancolia.
Falavas duma estrela e deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão, dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra, havia eterna dor;
Por isso, a tua voz me impressionava tanto!
E punha-me a cismar que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve — sim!
Te chamaria o céu! E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura, na fronte, que o luar
Cobria, como um véu.
A tua palidez que medo me causava!
Teu corpo era tão fino e leve (oh meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir o vento que passava!
Caía-me, na alma, a neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo e triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto, olhando para a serra:
— Que incêndio! — E eu, a rir,
Disse-te — É a lua cheia!...
E sorriste também do teu engano. A lua
Ergueu a branca fronte, acima dos pinhais,
Tão ébrio de esplendor, tão casta e irmã da tua,
Que eu beijei sem querer, seus raios virginais.
E a lua, para nós, os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço, espiritual, profundo,
E levou-nos assim, com ela, até ao céu
Mas, ai, tu não voltaste e eu regressei ao mundo.
Teixeira de Pascoaes